terça-feira, 20 de março de 2012

Crônica de Maria





Crônica de Maria.
(O reality show da vida)
Maria acorda às 3h, em seu barraco frio toma banho de caneca, desce o morro e vai trabalhar.
Maria chega em casa às 6h, tira os sapatos dos pés cansados, joga a bolsa em cima da cama e dorme.
Maria levanta às 7h, sem fazer barulho faz o café, ferve o leite, compra pão, limpa a casa e aguarda.
No ponto Maria espera o ônibus das 04h50minh, quando ele chega, com outros competidores disputa um lugar na porta e segura. A prova é aguentar até o ponto final.
Maria acorda, são 19h45minh, com dificuldade se levanta e vai ao banheiro. Mija em pé olhando para cima e pensa nas situações da noite passada se preparando para a próxima que se inicia. A prova é ficar mais uma noite sem dormir.
Maria aguardou e às 08h30min ele chega, com desdém toma o café, rasga o pão com os dentes e arrota como um porco gordo. Depois da refeição ela tira a mesa e por deixar cair à xícara predileta recebe um tapa na cara, ele se levanta e vai trabalhar. A prova é sobreviver até a noite.
Maria chega ao final da prova, exausta e com os braços doendo, desce do ônibus. Entra na empresa, troca de roupa e vai para a linha de produção. A prova é confeccionar 3000 dobradiças.
Maria se prepara para sair, passa maquiagem, coloca os brincos, sobe em seu salto “Pink”, pega sua bolsa e sai. Na rua encontra seus clientes e acena como celebridade. Um carro para, não é um de seus clientes habituais, ele pergunta o preço, ela diz - cinquentinha pra você - ele concorda com o preço, abre a porta do carro e sai com ela. A prova é ganhar a vida.
Está quase na hora dele voltar, Maria já deixa a janta pronta e a mesa posta, são 21h30min ele ainda não chegou, agora são 22h50min e Maria já suspeita o quê aconteceu. À 00h45min Maria escuta um barulho muito forte na porta, é ele tentando entrar, Maria abre a porta e o segura para que não caia. Com muita violência ele a empurra jogando-a no chão e como um animal força uma coisa que nem se pode chamar de sexo já que não há o mínimo de carinho nem mesmo vontade por parte de Maria. A prova é permanecer quieta até que ele termine.
Maria faz uma pausa para o almoço depois de cumprir sua tarefa, distraída com sua refeição se assusta ao ouvir o encarregado gritando seu nome. Maria levanta e vai ao escritório, ele pede que se sente, ela obedece. Maria está aflita, pois não sabe o motivo da convocação, sem cerimônia ele informa de forma ríspida e seca que ela está demitida. Perdendo o chão Maria ainda pergunta o motivo da demissão e só escuta uma palavra “MODERNIZAÇÃO”. Maria se retira do escritório e ainda sem entender vai até o vestiário, como se estivesse atordoada por um golpe na cabeça, troca de roupa e atravessa os portões da empresa. A prova é recomeçar. 
No local escolhido por seu cliente Maria começa o trabalho, entre abraços e caricias ela sente um desconforto em relação ao homem, ele a pega de forma rude e grosseira o quê não a agrada. Não tolerando mais aquele tratamento Maria empurra o homem. Ele vai para cima dela como um animal feroz, mas encontra um adversário a altura, entre socos e pontapés Maria acerta um golpe forte na cabeça do homem e o deixa desacordado. Machucada ela sai do carro e volta para casa andando. A prova é seguir em frente.
Com nojo Maria sai de baixo do corpo desmaiado daquele que um dia foi o homem da sua vida e se levanta, se sentindo suja vai até o banheiro e se lava como se um balde de fezes tivesse caído sobre seu corpo. A resistência de Maria está abalada, a prova é continuar, pois a competição ainda não acabou.
Ainda sem acreditar Maria volta para casa pensando nas palavras do encarregado que ecoavam em sua mente e pensa em qual passo tomar de agora em diante, que caminho seguir. Pensando em sua trajetória de luta ergue a cabeça para dar o próximo passo.
Maria chega em casa com os pés feridos de andar uma longa distância de salto. Deita-se na cama sem nem tirar a roupa e chora, pensando no acontecido e em todas as outras vezes que situações parecidas acabaram com sua noite, porém mesmo com essas lembranças ela não vê alternativa se não continuar a fazer o quê a vida lhe apresentou.
Depois da noite passada Maria ainda sente os efeitos do ato asqueroso que foi forçada a participar, entre repulsa e lembranças dos tempos bons de sua união ela decide deixá-lo para sempre, pois seu corpo e sua mente não suportam mais. Em um ato desesperado Maria vai até o banheiro, pega um vidro de calmantes despeja em sua garganta e se deita na cama que um dia foi o lugar de grandes alegrias, quase perdendo a consciência algumas lembranças passam e se dissolvem em sua mente, lembranças que agora são sombras, em uma mente que já há muito tempo vive na escuridão.
Nem todo reality shows tem finais felizes com milhões de reais na conta, fama, festas e aplausos. Alguns acabam de forma trágica e triste, esses sim são realidade são esses que devem ser vistos e para que não terminem dessa forma.
Não precisamos ligar nossas televisões e para ver um show de realidade basta olhar através de nossas janelas, pois é lá que a realidade está, é lá que os protagonistas da vida estão ao nosso lado. Cada um de nós vive todos os dias um reality show do qual tenta escapar, por falsas fazendas e casas super equipadas. No final buscamos a realidade onde ela não existe.

Por: Marcos Vellasco.

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