Crônica
de Maria.
(O
reality show da vida)
Maria acorda às 3h, em seu barraco frio toma banho de caneca, desce o
morro e vai trabalhar.
Maria chega em casa às 6h, tira os sapatos dos pés cansados, joga a
bolsa em cima da cama e dorme.
Maria levanta às 7h, sem fazer barulho faz o café, ferve o leite,
compra pão, limpa a casa e aguarda.
No ponto Maria espera o ônibus das 04h50minh, quando ele chega, com
outros competidores disputa um lugar na porta e segura. A prova é aguentar até
o ponto final.
Maria acorda, são 19h45minh, com dificuldade se levanta e vai ao
banheiro. Mija em pé olhando para cima e pensa nas situações da noite passada
se preparando para a próxima que se inicia. A prova é ficar mais uma noite sem
dormir.
Maria aguardou e às 08h30min ele chega, com desdém toma o café, rasga
o pão com os dentes e arrota como um porco gordo. Depois da refeição ela tira a
mesa e por deixar cair à xícara predileta recebe um tapa na cara, ele se
levanta e vai trabalhar. A prova é sobreviver até a noite.
Maria chega ao final da prova, exausta e com os braços doendo, desce
do ônibus. Entra na empresa, troca de roupa e vai para a linha de produção. A
prova é confeccionar 3000 dobradiças.
Maria se prepara para sair, passa maquiagem, coloca os brincos, sobe
em seu salto “Pink”, pega sua bolsa e sai. Na rua encontra seus clientes e
acena como celebridade. Um carro para, não é um de seus clientes habituais, ele
pergunta o preço, ela diz - cinquentinha pra você - ele concorda com o preço,
abre a porta do carro e sai com ela. A prova é ganhar a vida.
Está quase na hora dele voltar, Maria já deixa a janta pronta e a mesa
posta, são 21h30min ele ainda não chegou, agora são 22h50min e Maria já suspeita
o quê aconteceu. À 00h45min Maria escuta um barulho muito forte na porta, é ele
tentando entrar, Maria abre a porta e o segura para que não caia. Com muita
violência ele a empurra jogando-a no chão e como um animal força uma coisa que
nem se pode chamar de sexo já que não há o mínimo de carinho nem mesmo vontade
por parte de Maria. A prova é permanecer quieta até que ele termine.
Maria faz uma pausa para o almoço depois de cumprir sua tarefa,
distraída com sua refeição se assusta ao ouvir o encarregado gritando seu nome.
Maria levanta e vai ao escritório, ele pede que se sente, ela obedece. Maria
está aflita, pois não sabe o motivo da convocação, sem cerimônia ele informa de
forma ríspida e seca que ela está demitida. Perdendo o chão Maria ainda pergunta
o motivo da demissão e só escuta uma palavra “MODERNIZAÇÃO”. Maria se retira do
escritório e ainda sem entender vai até o vestiário, como se estivesse
atordoada por um golpe na cabeça, troca de roupa e atravessa os portões da
empresa. A prova é recomeçar.
No local escolhido por seu cliente Maria começa o trabalho, entre
abraços e caricias ela sente um desconforto em relação ao homem, ele a pega de
forma rude e grosseira o quê não a agrada. Não tolerando mais aquele tratamento
Maria empurra o homem. Ele vai para cima dela como um animal feroz, mas
encontra um adversário a altura, entre socos e pontapés Maria acerta um golpe
forte na cabeça do homem e o deixa desacordado. Machucada ela sai do carro e
volta para casa andando. A prova é seguir em frente.
Com nojo Maria sai de baixo do corpo desmaiado daquele que um dia foi
o homem da sua vida e se levanta, se sentindo suja vai até o banheiro e se lava
como se um balde de fezes tivesse caído sobre seu corpo. A resistência de Maria
está abalada, a prova é continuar, pois a competição ainda não acabou.
Ainda sem acreditar Maria volta para casa pensando nas palavras do
encarregado que ecoavam em sua mente e pensa em qual passo tomar de agora em
diante, que caminho seguir. Pensando em sua trajetória de luta ergue a cabeça
para dar o próximo passo.
Maria chega em casa com os pés feridos de andar uma longa distância de
salto. Deita-se na cama sem nem tirar a roupa e chora, pensando no acontecido e
em todas as outras vezes que situações parecidas acabaram com sua noite, porém
mesmo com essas lembranças ela não vê alternativa se não continuar a fazer o
quê a vida lhe apresentou.
Depois da noite passada Maria ainda sente os efeitos do ato asqueroso
que foi forçada a participar, entre repulsa e lembranças dos tempos bons de sua
união ela decide deixá-lo para sempre, pois seu corpo e sua mente não suportam
mais. Em um ato desesperado Maria vai até o banheiro, pega um vidro de
calmantes despeja em sua garganta e se deita na cama que um dia foi o lugar de
grandes alegrias, quase perdendo a consciência algumas lembranças passam e se
dissolvem em sua mente, lembranças que agora são sombras, em uma mente que já
há muito tempo vive na escuridão.
Nem todo reality shows tem finais felizes com milhões de reais na
conta, fama, festas e aplausos. Alguns acabam de forma trágica e triste, esses
sim são realidade são esses que devem ser vistos e para que não terminem dessa
forma.
Não precisamos ligar nossas televisões e para ver um show de realidade
basta olhar através de nossas janelas, pois é lá que a realidade está, é lá que
os protagonistas da vida estão ao nosso lado. Cada um de nós vive todos os dias
um reality show do qual tenta escapar, por falsas fazendas e casas super
equipadas. No final buscamos a realidade onde ela não existe.
Por: Marcos
Vellasco.
USE
O SISTEMA CONTRA O SISTEMA!
Muito bom! parabéns!
ResponderExcluirAdoro esse texto! Enfim, publicado! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado! Espero ter inspiração parecida algum outro dia!
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